domingo, 11 de dezembro de 2011

Contos Infantis




Contos infantis. Ontem e hoje

O Conto infantil só constituiu verdadeiramente uma forma literária determinada no momento em que os Irmãos Grimm, no início do século XIX, deram a uma coletânea de narrativas o título de Kinder und Hausmärchen (Histórias das Crianças e do Lar). Foi este trabalho dos Grimm que reuniu a diversidade de textos infantis que até então existia num conceito unificado que, como tal,  passou a será base de todas as inúmeras coletâneas ulteriores ao século XIX.

Na verdade, ainda hoje e a todo o momento surgem novas edições de contos de fadas. Nas secções infantis das livrarias rivalizam versões luxuosamente ilustradas dos chamados contos de autor, soltos ou agrupados em antologias, na língua de origem ou "traduzidos e adaptados por". Os contos que continuam a ter maior número de edições são, sobretudo alguns contos dos Irmãos Grimm, os contos em prosa de Perrault, alguns contos de Andersen, algumas adaptações coloridas dos "clássicos" revisitados pelas "Walt Disney Productions". Não há editora que se preze que não tenha entre as suas coleções para crianças uma coleção "contos de todos os tempos", quer em Portugal quer no estrangeiro.


A Evolução dos Contos


Tornar-se difícil compreender a evolução e a transformação de um conto ou a sua persistência numa dada forma relativamente imutável, se ignorarmos os contextos sócio-históricos a que teve sucessivamente de se adaptar para sobreviver. Não poderá isolar-se a significação de um conto num determinado tempo e lugar. Só através de um estudo comparativo com as formas que esse mesmo conto assumiu noutros tempos e noutros lugares será possível desvendar os seus "segredos". A aproximação diacrônica descreve o como das transformações, a aproximação sincrônica elucida o seu porquê.

O Conto é veículo transmissor de conhecimento e de valores culturais, é uma "palavra" (parábola) cujo fio não deve ser cortado ao passar de geração para geração, sob pena de pôr em perigo a coesão social e a sobrevivência do grupo. O ouvinte ou o leitor encontram, nas personagens imaginárias que povoam a narrativa, personagens e situações bem reais com que se defrontam no seu dia-a-dia. É todo o universo social e familiar que aparece em cena, com os seus conflitos latentes e os fantasmas que os engendram.

O conto levanta questões com as quais todo o indivíduo se vê confrontado: rivalidade de gerações, integração dos mais novos no mundo adulto, tabu do incesto, antagonismo dos sexos. Lida com aspectos da vida social e do comportamento humano, com as etapas fundamentais da vida como o nascimento, o namoro, o casamento, a velhice e a morte, com episódios característicos da vida da maior parte das pessoas. Do campo emocional fazem parte o amor e o ódio, a desconfiança, a alegria, a perseguição, a felicidade, a rivalidade, a amizade. Muitas vezes, o mesmo conto refere-se a estes fenômenos em pares contrastantes: o bem contra o mal, o êxito contra o fracasso, a benevolência contra a malevolência, a pobreza contra a riqueza, a fortuna contra a desgraça, a vitória contra a derrota, a modéstia contra a vaidade, ou seja, o branco contra o preto.

Os velhos contos de outrora nunca são gratuitos; fornecem uma explicação do mundo, é a expressão de terrores e esperanças muito profundos, é uma escola de sabedoria, um magma primordial em que cada povo foi depositando os seus medos, as suas angústias, os seus protestos, a sua crença num mundo melhor.

Poder-se-á reduzir o conto a um objeto unívoco? Não será bem pelo contrário, profundamente aberto, equívoco, para lá da sua mobilidade no espaço e no tempo?

Basta olhá-lo (amá-lo) um pouco mais de perto para nos darmos conta de como cada olhar que sobre ele é pousado tende a constituí-lo num objeto diferente (tantos os objetos quantos os olhares). Como se a sua liberdade lhe viesse da possibilidade mitológica de mostrar sem cessar um novo rosto.


Mas, afinal, o que é um Conto?


"O conto maravilhoso é aquele que possui um desenrolar da ação que parte de uma malfeitoria ou de uma falta, e que passa por funções intermédias para ir acabar em casamento ou em outras funções utilizadas como desfecho. A função limite pode ser a recompensa, alcançar o objeto da demanda ou, de uma maneira geral, a recuperação da malfeitoria, o socorro e a salvação durante a perseguição, etc. Chamamos a este desenrolar da ação uma seqüência. Um conto pode ter várias seqüências."
Vladimir Propp, Morfologia do Conto, p. 144
 
Os contos populares são anônimos, de origem longínqua e imemorial. Porém, nos nossos dias, os contos populares são antes de mais textos fixados pela escrita nas revistas folclóricas, nas recolhas dos estudiosos, nos livros para crianças. Durante muito tempo fez parte de uma cultura viva, transmitida oralmente ao longo dos séculos, fundo comum que se encontra, sob variantes mais ou menos próximas, em todas as culturas e regiões do globo. Daí que, num certo sentido, possam ser considerados como a mais universal de todas as formas de narrativas.
Na verdade, trata-se de histórias simples, curtas, que apresentam personagens "tipo" vivendo situações "tipo". As limitações da vida humana e a semelhança das suas situações básicas produzem necessariamente por toda a parte contos que são muito semelhantes em todos os aspectos estruturais importantes. Têm uma forma e uma substância tão definida na cultura humana como o cântaro ou a enxada. 
Nas suas formas orais, literárias, "mass-mediatizadas", os contos permitem a crianças e adultos conceber estratégias para se posicionarem no mundo e compreender o que os rodeia. Aprendidos na infância, fornecem significados, estruturam e dão forma às figuras e aos conflitos com que o homem se confronta no seu dia-a-dia.

Contados de geração em geração ao longo dos séculos, foram adquirindo várias fórmulas. Começam muitas vezes por "Era uma vez "e terminam" e viveram sempre felizes". A fórmula "era uma vez", não só ajuda um conto fantástico a atingir credibilidade, como salienta a universalidade dos temas presentes; os conflitos não são locais, mas de todos os tempos e para todos os lugares. Se as personagens centrais vivem "felizes para sempre", é porque se desenvolveram como seres humanos, porque merecem a felicidade que recebem.
Se se tomar como exemplo a história de Cinderela, entre as trezentas e tal versões descobertas, da China aos Estados Unidos, as emoções retratadas são similares em quase todas as versões, mas as manifestações individuais dessas emoções refletem os costumes e as crenças do grupo que conta a história.
Segundo Bruno Bettelheim (1976), o que distingue os contos de fadas das outras narrativas orais ou escritas é a resolução final dos conflitos. O conto de fadas fornece sempre elementos de resposta, que podem variar conforme as culturas e as formas de organização social, mas ensina sempre que certos perigos, problemas e situações podem ser ultrapassados se forem encarados com perseverança. 


Por que razão as crianças gostam dos contos de fadas.


"Os contos de fadas orientam a criança no sentido de descobrir a sua identidade e vocação e sugerem também quais as experiências necessárias para melhor desenvolver o seu carácter."
Bruno Bettelheim, Psicanálise dos Contos de Fadas, p. 34

Em muitos contos de fadas "clássicos" a ação é lenta, mas mantém-se um fato vital em alto grau - "o que vai acontecer a seguir". Há uma grande ênfase nas qualidades morais do herói ou da heroína. Os bons são valentes, pacientes, gentis, generosos e belos. Os maus são destrutivos, feios, terríveis e a justiça realiza-se de maneira satisfatória. Bruxas e dragões, ogres e gigantes são mortos ou postos em fuga, o príncipe casa com a princesa e vivem juntos e felizes para sempre. A forma simbólica sob a qual são apresentadas as situações permite ao ouvinte, ou ao leitor, sentir-se implicado, não deixando por isso de manter as suas distâncias.

Há outra razão de peso para as crianças gostarem deste tipo de histórias. Todas as crianças, por muito amadas e queridas que sejam, estão sob o poder dos adultos, vivem situações que consideram injustas, sonham com o dia em que o mundo vai descobrir que são muito mais inteligentes, muito mais bonitas, muito mais interessantes e dignas de ser amadas do que alguém reconheceu alguma vez. É maravilhoso para a criança pressentir que essa descoberta pode acontecer que chegará o dia em que poderá ocupar o lugar que legitimamente sente pertencer-lhe. Daí se poder dizer que os contos de fadas carregam as baterias da  auto-estima das crianças tendo grande importância na sua formação.

Obviamente os contos de fadas não são as únicas histórias que podem ser lidas ou contadas às crianças. Mas é mais facilmente apreensíveis graças à sua estrutura e aos seus temas, à utilização de fórmulas de repetição. A sua linguagem metafórica permite à criança projetar em diferentes personagens e situações.


Fonte:
Acesso em: 11 de dez. de 2011

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